Imagine que a sua mente é uma cidade amuralhada

E que há um guardião cuidando da porta de entrada. Tudo o que você aprende — os viajantes cujo caminho passa por esta cidade — só entra nela de uma de duas maneiras: ou para ocupar uma casa que já exista, ou, devido a ser tão irreconhecível, e por ser visto pelo guardião como desejável, ser colocado em uma casa nova, construída sob medida para este viajante.

Imagine estes viajantes como conteúdos, unidades de nexo, objetos, eventos ou pessoas. O guardião se chama Senso do Real, mas pode-se chamá-lo de realidade.
Ele obedece a um certo número de regras, de maneira mais ou menos flexível, conforme seja mais ou menos obcecado com o que passa pelos portões da cidade.

Cada mente de cada pessoa é uma dessas cidades. Elas são, por natureza, maiores por dentro que por fora. E os guardiães dos portões são mais ou menos esclarecidos.

Às vezes, dado algumas cidades terem sido invadidas e sitiadas inúmeras vezes, os guardiães são obcecados pelo que passa pelos portões. A cidade tem vários acessos.

O acesso sensorial, o mais rápido e imediato, é às vezes bastante vigiado pelo guardião. O acesso emocional é fluido e flexível, terminando por ser o acesso mais fácil.

O acesso cognitivo é um intrincado labirinto, cuja passagem necessita de familiaridade, e todos estes acessos funcionam juntos para conceder aos viajantes pouso transitório ou permanente em cada cidade.

A condição para ser residente permanente é naturalizar-se. O viajante muitas vezes até perde o sotaque estrangeiro e esquece de sua origem, substituindo sua memória por histórias do mesmo tipo que se costuma contar na cidade.

Memória é mesmo algo em que não se deve confiar.

O guardião obedece a regras formuladas por um conselho de anciãos no coração dessa cidade mágica, cuja geografia desafia as leis físicas: o centro é muito mais amplo do que as margens.

Todas as noites, o guardião precisa entrar profundamente na cidade, para que o conselho oculto do coração delibere sobre os novos habitantes, reajustando as regras para facilitar sua vida nos bairros da cidade, ou expulsá-los, caso infrinjam certas leis.

O guardião volta dessa reunião com o conselho de anciãos com as regras ligeiramente reformuladas, muitas vezes nem lembrando delas, apenas intuindo-as, pois precisa da sensação de autonomia e controle para ser guardião, por isso não faz idéia de quem são os membros do conselho. Não os reconheceria ainda que fossem à porta. Ele pensa que está sozinho na cidade. E confunde seus novos e velhos habitantes com aspectos de sua própria natureza.

Alguns guardiães são obcecados pela porta. Outros, intuem a existência da cidade. Os que sabem da existência da cidade e do conselho oculto em seu coração, são leves e intuitivos, e sabem abrir e fechar os portões no momento certo.

Os membros do conselho oculto, também um dia foram guardiães de cidades menores, em tempos mais simples, e foram se tornando mais sábios e mais influentes, e com o tempo invisíveis a cada novo guardião.

Um dia você, que guarda essa porta agora, envelhecerá e migrará para o oculto e imenso espaço interior da cidade que, no início cresceu para fora, até aprender a magia que começou a fazê-la crescer infinitamente para dentro.

Um segredo que se protege a si mesmo é que no centro do âmago do coração da cidade há um corredor que liga essa cidade a todas as outras que existem, existiram e existirão.

Alexandre Costa e Silva
Sábado, 21 de setembro de 2019

Aba não é um método para tratar autismo.

(Discurso para a audiência pública sobre a importância da ABA no tratamento do autismo)

Boa tarde. Meu nome é Alexandre Costa e Silva, sou psicólogo e psicoterapeuta desde 2003, mas atuo como terapeuta de pessoas autistas desde 1993.

Durante muitos anos descrevi meu trabalho como análise do comportamento, e ABA significa Análise Aplicada do Comportamento. Todo mundo aqui sabe, mas o que pode soar estranho para alguns, exceto para quem conhece o assunto a fundo, como o meu amigo Felipe aqui, é que ABA não é um método para tratar autismo.

ABA é apenas a aplicação de princípios e conhecimentos acumulados de uma ciência, a Análise Experimental do Comportamento (EBA! na sigla em inglês). No caso aqui, ao provimento de suporte a pessoas autistas. Se você usar AC numa empresa, isto também é ABA. Se usar numa escola, com crianças neurotípicas, também leva o mesmo nome. Se usar num hospital, com crianças com câncer, também. Mas, mais importante que isto, existem muitos estilos de trabalho diferentes que podem ser descritos com essas mesmas três letrinhas.

Durante estes 26 anos servindo pessoas autistas e suas famílias, encontrei diversos profissionais fazendo coisas bem diferentes, e usando este nome para descrever o seu trabalho. Como eu disse há pouco, eu fui uma delas durante boa parte da minha prática clínica e comunitária na Casa da Esperança.

Em 1997, estive na primeira conferência mundial de educação especial (ainda se usava este nome) em Cancún, no México. Eu e Fátima estávamos assistindo a uma palestra de um AC alemão, descrevendo como ele fazia terapia aversiva com autistas graves. Terapia aversiva, para quem não sabe, é o uso de punição para inibir comportamentos indesejáveis.

E havia duas senhoras do nosso lado falando muito mal daquela abordagem antiética e cruel. Uma falava espanhol fluentemente, e logo Fátima começou a conversar com ela sobre apresentação. A outra falava inglês, e comecei a conversar com ela. Elas eram Liliana Mayo e Judith LeBlanc, as criadoras do método comportamental “Currículo Funcional Natural”, aplicado numa instituição peruana, o Centro Ann Sullivan. As duas doutoras em análise do comportamento na universidade do Arizona.

Anos depois, na primeira metade da primeira década deste século, Jude LeBlanc visitaria a Casa da Esperança durante uma Jornada Regional de Autismo, e eu teria a honra de tê-la na platéia de uma palestra que proferi com o tema “Análise do Comportamento do terapeuta punidor”, literalmente virando o feitiço contra o feiticeiro, por assim dizer, através da comparação de dois casos de abuso envolvendo pessoas autistas. Os dois perpetrados por… analistas do comportamento.

Um no Brasil, cujo nome não vou citar aqui por razões óbvias, e o outro é bem conhecido, de modo que não tem problema eu falar aqui: Matt Israel, um dos colaboradores de Skinner, que a imprensa de Massachussets “carinhosamente” apelidou de “Dr. Hurt”, “Dr. Machuca”. Ele me foi apresentado por um velho amigo autista novaiorquino, Jim Sinclair.

Os dois casos, dizia eu analisando os analistas, envolviam especialistas em casos extremos de autoagressão e automutilação. Ambos tinham virado casos de polícia (o brasileiro inclusive com duas mortes envolvidas). Ambos tinham em torno de si uma gigantesca procissão de pais zelosos a defender as suas práticas abusivas. Ambos tinham um certo charme superficial do tipo que, em português pode-se designar com a palavra “falastrão”.

Eu havia encontrado um padrão. Como meus colegas familiarizados com a ciência do comportamento aqui presentes sabem, comportamentos semelhantes tendem a ter contingências semelhantes envolvidas para sua instalação no repertório de um organismo. E as circunstâncias eram um estímulo aversivo inicial para a família e o analista — a criança se batendo — que funcionava como discriminativo para um comportamento do analista — punir, e era reforçado negativamente com a diminuição de sua frequência. Ora, como afirma Murray Sidman — outro colaborador direto de Skinner — em seu belo trabalho Coertion and its fallout, um comportamento mantido exclusivamente por reforços negativos (quando a retirada de um estímulo aumenta a frequência de um comportamento) tendem à extinção quando o reforço não é provido continuamente.

É uma daquelas verdades intuitivas em que alguns ratinhos se machucam para que a Análise Experimental do Comportamento possa converter em verdade científica. Exceto se houver algum reforço positivo envolvido — o caso em que o organismo ganha algo em vez de só perder, o comportamento tende a extinção.

Tá complicado? Exemplo ajuda. Imagina ai que teu marido ou esposa te bate quando você olha para outras pessoas com um olhar lascivo. Mas ele não procura te seduzir para você olhar pra ele, ele só te pune quando você olha para outra pessoa. O que você vai fazer diante disso? No começo você evita fazer isso na presença dele. Depois você vai deixá-lo ou passar-lhe um belo par de chifres, acredite. É cientificamente comprovado. Já tem o motivo, falta só a oportunidade. Cornagem também é ciência.

Então falta um elemento de análise aí. Se a punição só funciona na presença do agente punidor, era necessário universalizar os sinais de que o organismo seria punido (o que a gente chama de estímulos pré-aversivos, deixando uma pessoa autista literalmente uma vida inteira com medo. E quanto ao analista do comportamento, que é outro organismo se comportando, tenderia, segundo essa análise a seguir punindo — inicialmente pela simples satisfação de ver a pessoa autista parar de se bater depois de levar um choque, ou uma borrifada de boldo com vinagre no nariz, por exemplo — o reforço negativo do comportamento do analista — mas depois passaria a ser reforçado positivamente pelos pais agradecidos e até pela comunidade científica. Taí o elemento que faltava. Por este motivo viravam especialistas em punição.

Toda essa minha argumentação era baseada no livro de Murray Sidman, Coerção e suas implicações. Jude LeBlanc ouviu atentamente a minha palestra e logo depois pediu a palavra. Disse que Sidman gostaria muito de ouvir o que eu tinha dito — era seu amigo pessoal — e que para além das sólidas razões técnicas e científicas que eu havia enumerado para não punir, ela preferia ficar com as éticas — mesmo que fosse eficaz punir — como eu havia demonstrado tão eloquentemente que não era — ela ainda não cometeria abusos contra ninguém porque ela não gostava de ser torturadora, e muito menos do olhar amedrontado que receberia dos pacientes, caso seguisse este caminho.

Outra grande analista do comportamento estava presente a esta apresentação, inclusive presidindo a mesa em que eu falava: a saudosa Maggi Windholtz. Essa me olhou meio desconfiada e disse (apenas para eu ouvir): “não estou muito certa se este teu discurso é bom para a disseminação da ABA”. Ela foi a primeira a desconfiar de que eu era um agente duplo.

Durante anos, dei aula em cursos de especialização em Análise do Comportamento sobre ABA com autistas, a minha ABA. A minha forma de aplicar a ciência do comportamento para dar suporte a pessoas autistas. Uma amiga querida, também analista do comportamento, Daniely Tatmatsu, citou uma de minhas palestras para refutar o argumento de Roosevelt Starling em um congresso e ouviu dele: “Aquele Alexandre Costa não é um analista do comportamento “puro”. Ele usa uma linguagem híbrida”. Eu havia, definitivamente, sido descoberto.

Mas não ainda por mim mesmo. Continuei dando aulas em cursos de especialização, até que, depois de anos de estudos e reflexão, fui finalmente “convertido” à “Revolução Cognitiva”, e passei a descrever meu trabalho como “psicoterapia integrativa de base cognitiva”, ou “híbrido da psicologia”. Ninguém te define melhor que o teu inimigo.

Mas vejam, eu não preciso abrir mão do meu conhecimento da Análise do Comportamento para trabalhar com psicologia cognitiva. Eu não preciso abrir mão das técnicas que aprendi, e que sei que funcionam, para fazer isso. Porque minha prática é fundamentada em evidências, e não nas minhas crenças. É isso que diferencia a ciência de outros conhecimentos humanos, como a filosofia e a religião.

Hoje eu entendo o autismo de três maneiras interligadas. Como uma alteração inicial na intensidade da orientação social, o superpoder humano inato de reconhecer e buscar outros seres humanos dentre todos os estímulos do ambiente físico circundante, como a deficiência resultante dessa alteração, e como uma identidade, um ramo da família humana.

O boy magia das cavernas, que voltava da caça sujo de sangue e suor, não foi o único que legou seus genes para o conjunto humano atual. Seu irmãozinho esquisito, que rodava pedrinhas no fundo da caverna, não gostava de luz forte, e inventou a roda, também encontrou sua alma gêmea, uma nerdinha que batia pedras uma na outra, e inventou o fogo. Essa menina devia inclusive ter hipersensibilidade olfativa, e o cheiro do suor misturado com o sangue certamente era-lhe extremamente aversivo.

A ABA de hoje em dia se reinventou e abandonou as antigas práticas punitivas. Quem pune ou recomenda punição hoje cai em desgraça rapidamente, e eu vejo isso como evolução cultural — parafraseando o velho Skinner. Mas ela está longe de ser a única maneira cientificamente embasada de dar suporte a pessoas autistas.

No entanto, deve-se conceder à ABA que boa parte dos métodos e modelos que funcionam comprovadamente com autistas usa alguma derivação de técnicas comportamentais, ou que assim podem ser definidas. PECS é ABA. CNF é ABA. A tentação Comunicativa que usamos na aplicação do modelo SCERTS na Casa da Esperança pode ser entendida como reforçamento diferencial. Na verdade qualquer coisa pode ser entendida como reforçamento diferencial, o ato de premiar coisas desejáveis e ignorar (em vez de punir) as indesejáveis. Ciência é ferramenta, e ABA, como eu disse há pouco, não é um método para tratar autistas. É a aplicação da EBA. Então, EBA! as pessoas estão falando de ABA.

O que eu seria terminantemente contra, no entanto, e por motivos científicos e éticos, seria afirmar que sem ABA, perdemos nossos filhos para o autismo. Isso não é verdade. Floortime, Sonrise, SCERTS, TEACCH, estão todos aí para demonstrar que não devemos buscar pessoas para encaixar nos métodos, mas métodos para servir às pessoas individualmente.

Não há nada de errado em se usar ciência para vender terapia. O que não se pode fazer — não sem ser criticado pelos pares — é confundir ciência com propaganda. Bruno Bettelheim era psicanalista, não analista do comportamento. E ele também dizia que o único jeito de curar autismo seria fazer o que ele dizia: no caso, salvar a criança de seus pais nazistas.

Eu falei a pouco que entendia o autismo de três maneiras diferentes. Devo me corrigir. Autismos, no plural, devia ser o termo de uso corrente. Porque a apresentação deste fenômeno é tão variada, e suas causas tão diferentes e numerosas, que frequentemente as pessoas ficam confusas a respeito de como Temple Grandin e o meu filho Giordano, que não fala e tem frequentes crises sensoriais podem ser descritos com o mesmo adjetivo.

Mais importante do que o método, ou de quantas letras se usa para descrevê-lo, é a qualidade das pessoas que o estão aplicando, se elas têm um olhar generoso sobre seus clientes, se elas reúnem a intenção correta, usam as técnicas corretas, no momento certo, com as pessoas que precisam.

Mais importante do que aprender habilidades sociais é ser capaz de fazê-lo através de reforços intrínsecos, ou, como reaprendi a dizer, é ser capaz de desenvolver habilidades sociais espontâneas. Porque o espontâneo está de mãos dadas com a pessoa, que passa a ser parceira, passa a andar lado a lado, em vez de tornar o cliente o objeto da nossa terapia. E é possível fazer isso com ABA, mas também com TEACCH, SCERTS, e toda a sopa de letrinhas. Em alguns casos, até com psicanálise, esticando aqui a baladeira.

Por último, autismo não é algo que uma pessoa tenha. Autismo é uma abstração estatística que nos permite delinear direções gerais de tratamento, que devem ser individualizadas à medida em que se conhece aquele caso específico, aquela pessoa. Além disso, os autismos são fenômenos abrangentes, e sua abordagem precisa ser realizada por uma equipe multiprofissional e interdisciplinar de saúde e educação, e não apenas por um tipo de profissional.

Dizer que qualquer terapia específica é a única que cura autismo é o mesmo que dizer que se você trouxer dez bebês, e dez profissões, através de tecnologia comportamental, eu posso fazer com que cada bebê tenha a profissão que eu escolher. Acreditem, isso já soou bem. Foi dito por Watson, o pai do behaviorismo, e todo behaviorista hoje sabe que é uma completa bobagem.

Obrigado a todos.

Alexandre Costa e Silva Terça-feira, 10 de setembro de 2019

Sobre o tempo e o universo como realmente são

Uma vez me encarreguei de acompanhar o irmão de uma amiga que teve uma suposta crise psicótica em outro estado e estava em casa de estranhos.

Chegando lá descobri que o problema dele era muito mais complexo. Como ficou demonstrado depois, ele tinha síndrome de korsakov.

Esquecia memórias novas de 15 em 15 minutos aproximadamente.

Estava preso na sua história e no seu presente, e (pensava-se na época) de modo irreversível. Ele perdeu uma estrutura importante para a formação de novas memórias, a oliva, no diencéfalo.

Por causa de abuso de álcool. Quando o encontrei, fizemos um contato tão profundamente afetuoso que até hoje ele lembra de mim. Jogamos sinuca e tomamos uma cerveja.

Logo depois ele não lembrava nenhum detalhe de quem eu era, mas tinha a certeza de que me conhecia desde a infância.

Não lembrava meu nome, nem o que eu tinha ido fazer lá — buscá-lo a serviço de sua família que estava preocupada com sua segurança nessa situação vulnerável — mas dizia: “esse aí é um amigo de infância, que faz tanto tempo que não vejo, que já nem sei mais o nome”.

O tempo como tanta coisa real por aí é uma criação complexa do nosso cérebro.

O universo como ele é não é acessível a nós. Todo o universo conhecido é o universo como o conhecemos.

Hipnose no controle de crises sensoriais em autistas

Neste artigo, elaborado a convite do professor de psicologia e hipnose Alberto Dell’isola, apresento minha experiência hipnotizando meu filho autista não verbal. Tenho utilizado a hipnose com pessoas autistas de vários níveis do espectro, e este artigo é apenas o primeiro de uma série sobre o uso da hipnose para melhorar a qualidade de vida de pessoas autistas.

É importante deixar claro que a forma como abordo a hipnose aqui não promete a “cura do autismo”, até porque não há consenso nem mesmo sobre se uma cura para o autismo seria possível ou desejável. O foco aqui, novamente, é melhoria de qualidade de vida. A internet já está cheia de hipnotistas “quânticos” fazendo promessas impossíveis. É este tipo de coisa que, periodicamente lança a hipnose no ostracismo após surtos de interesse sazonais.

Trabalho com autismo desde 1993, quando ainda era considerado um transtorno raro. Sou psicólogo e psicoterapeuta, e minha clientela é quase inteiramente composta de pessoas autistas. Tenho dois filhos e uma filha autistas, os dois considerados graves, e ela, leve.

A partir de meu recente interesse em hipnose, tenho repensado e aperfeiçoado a minha prática clínica, porque descobri, a partir dezembro de 2018, que muito do que faço de melhor pode ser considerado uma forma de hipnose. Este artigo é a primeira tentativa de organizar e difundir este saber.

Autismos

Lord Henry Cavendish1, o descobridor do hidrogênio, era uma pessoa isolada e esquisita. Seu biógrafo escreveu que ele não tinha sentimentos sociais, e ele nunca casou. Não deixou descendência.

Na primeira metade do século XX, Paul Dirac, ganhador do prêmio Nobel de física de 1933, era uma pessoa isolada e esquisita. Mas, diferentemente de Cavendish, vivia em uma sociedade que progressivamente adotava a inteligência como mais importante para o êxito material e social. E não qualquer tipo de inteligência: especificamente a capacidade humana para a sistematização. Uma sociedade cada vez mais pautada pela ciência. Dirac casou e teve filhos.

Nos anos 70, aqueles nerds do Vale do Silício que puseram computadores nas mesas das pessoas, depois em seu colo, depois em seus bolsos, tornaram-se bilionários, e praticamente todos se casaram e muitos de seus filhos são autistas2.

Todas esses pessoas têm características de temperamento e personalidade que hoje associamos facilmente com o autismo. Pessoas assim hoje costumam ter filhos autistas, e muitas vezes saem com o próprio diagnóstico, ao buscar o dos filhos. Mas este é um fenômeno que começou a ser compreendido apenas recentemente.

O autismo é considerado hoje um dos mais comuns transtornos do neurodesenvolvimento. Nem sempre foi assim. Desde quando foi descrito pela primeira vez no artigo de Kanner em 1943, era considerado uma síndrome rara, e permaneceu assim até perto da virada do milênio.

As causas desse aumento exponencial na prevalência do autismo ainda são objeto de discussão. Alguns atribuem-no à modificações sucessivas no escopo dos critérios de identificação, o que é um fato facilmente verificável. A partir do artigo original até o início da década de 60, Kanner permaneceu um dos poucos psiquiatras habilitados a realizar o diagnóstico, que era bastante restrito à sua descrição original.

Desde este período até os anos 80 o fenômeno foi atraindo a atenção da comunidade médica e do público em geral, quando os critérios para sua identificação foram publicados pela primeira vez na terceira edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Diseases (DSM III).

A partir de então os critérios mudaram na revisão desta edição, mudaram novamente na quarta, com a introdução da então chamada “Síndrome de Asperger”, e por fim, em 2013, com a publicação da quinta edição, mudaram novamente.

Cada uma dessas modificações ampliou o escopo dos critérios, de modo que pessoas que não podiam ser diagnosticadas com autismo passaram a sê-lo. Mas é possível que esta hipótese do erro estatístico não contemple os números alarmantes (mais de 1% da população mundial) da atual prevalência do autismo.

Além disso, há uma associação bastante clara entre autismo e mentes mais sistemáticas, analíticas e pouco empáticas. Pessoas que se sentem mais à vontade com dados que com outras pessoas são parte do estereótipo social do “nerd”, e têm filhos autistas mais frequentemente.

Assim, o aumento da prevalência do autismo pode estar associado a uma demanda crescente da sociedade por cérebros com perfil analítico, o que facilitaria que pessoas assim tivessem mais sucesso material e maior probabilidade de ter filhos.

Pessoas esquisitas e isoladas sempre existiram em todas as culturas, mas a cultura pós industrial as empoderou como nenhuma outra antes dela. Pode ser apenas a velha teoria da evolução acontecendo bem diante dos nossos olhos.

Provavelmente o aumento na prevalência do autismo seja uma combinação destes e outros fatores a serem identificados. De todo modo, é cada vez mais relevante que nos informemos sobre o tema, especialmente se somos profissionais de saúde ou educação.

Mas pessoas como Cavendish e Dirac não são o único tipo de gente que a palavra autismo nos lembra. Há também pessoas com deficiência intelectual grave, que não falam, e que frequentemente apresentam comportamentos auto ou hetero destrutivos, colocando a si próprios e a seus familiares sob estresse contínuo e, não raro, risco de lesões físicas e emocionais.

É provável que o que chamamos de autismo, do ponto de vista etiológico sejam diversos fenômenos diferentes, que têm em comum alterações qualitativas no desenvolvimento de capacidades para a Interação Social e Comunicação, dificuldades de processamento e modulação sensorial, e exibindo, em graus diferentes, interesses e comportamentos restritos e repetitivos.

Isso é um universo tão amplo que nele cabem Cavendish, Dirac, Temple Grandin e o meu filho, Giordano, que não fala, nem tem problemas de contato visual, embora tenha dramáticos e dolorosos colapsos sensoriais.

Ao que parece, há diversas maneiras se se chegar na configuração comportamental identificada como Transtorno de Espectro Autista.

Hipnoses

Minha história com a hipnose é bem mais curta do que com o autismo. Foi a partir de um vídeo do canal do paleontólogo, zoólogo, palestrante e divulgador científico Paulo Miranda Nascimento, conhecido como Pirula.

O vídeo falava sobre os alegados “poderes” do criminoso internacional João Teixeira de Farias, o médium “João de Deus”. Foi só então que tomei contato com o tema de um modo mais científico, fora dos vieses comuns da psicologia, e do senso comum, em dezembro de 2018.

Comecei então a ler sobre o assunto, hipnotizei uma pessoa pela primeira vez em janeiro de 2019, uma amiga, e comecei no mesmo mês a fazer pequenas experiências com meus pacientes. Desde Junho de 2019, sou aluno do professor Alberto, o qual foi mencionado pelo Pirula em seu vídeo original na internet.

Tal como Alberto gosta de ressaltar em vídeos e palestras, a hipnose tem diversas definições diferentes, e nisso consiste a dificuldade em estudá-la cientificamente. O mesmo, parafraseando Dell’isola, acontece com a memória, a inteligência, e — adiciono — o autismo.

Listar e comparar essas definições fugiria do nosso escopo aqui, então vou ficar apenas no anúncio de quais hipnoses tenho realizado com meus pacientes. E já há conteúdo sobre isso no próprio blog do professor Alberto.

A definição da American Psychological Association3 é insuficiente, para efeito do que vou descrever aqui. Ela sofreu críticas4, principalmente pelo fato dessa definição não abranger os estados hipnóticos naturalísticos, ou a “hipnose do dia-a-dia”, como definida por Milton Erickson. Esta controvérsia, no entanto, não interessa para o escopo deste artigo, e pode ser encontrada em suas referências nos links das notas de rodapé.

Ainda que os tipos de hipnose que pratico aqui incluam fenômenos como ativação vagal, no escopo da teoria polivagal de Stephen W. Porges, que ainda não tem aceitação científica ampla5, pensar em hipnose como um estado de concentração e sugestionabilidade ampliadas é amplo o suficiente, e independente o suficiente dos caminhos para se atingir este “estado” (outra discussão que quero evitar aqui, mas que é intrínseco à definição da APA).

A diferenciação entre como se entra em “estado hipnoidal” e em que este estado consiste não é tão importante, porque, em minha observação, praticamente todos os autistas entram em auto-hipnose, mas muitos deles não conseguem aceitar induções formais de transe. Não conheço estudos de hipnotizabilidade de pessoas autistas com grupo de controle neurotípico, mas em minha experiência, alguns autistas têm maior dificuldade para contornar a faculdade crítica, como requerido por uma definição clássica como a de Dave Elman, e mesmo a da APA, quando se refere à sugestionabilidade como um fator essencial.

Assim, vou ficar com a definição de James Tripp sobre hipnose, para efeito deste artigo:

“hipnose é uma forma de usar a comunicação para envolver as crenças e os processos cognitivos das pessoas, de modo a alterar sua percepção da realidade”.

Aplicação

Eu me dei conta, como mencionei, de que algumas de minhas práticas clínicas seriam melhor compreendidas e tornariam-se mais facilmente multiplicáveis se eu levasse em conta o conceito de hipnose.

Meu filho mais velho, do primeiro casamento da minha esposa, tem flutuações de sensibilidade, principalmente proprioceptiva e vestibular. A dificuldade dos autistas com o processamento sensorial é tão relevante para a imagem clínica atual do autismo, que o DSM 5 a incorporou nos critérios diagnósticos6.

Estas flutuações de sensibilidade o levam a comportamentos bastante difíceis de lidar, como bater no corpo de modo a substituir a propriocepção pelo tato, evitando a sensação aversiva de “perder o corpo” em que consiste a experiência de hipossensibilidade proprioceptiva.

Como ele não fala, precisei da dica de um amigo querido, Jim Sinclair, com o qual mantenho correspondência desde 2001, quando o convidei para uma conferência em Fortaleza sobre autismo. Jim é autista e presidente da Autism Network International, uma organização de defesa de direitos das pessoas autistas baseada no estado de NY nos EUA.

Nesta época, a comunidade médica não aceitava a idéia da desmodulação sensorial como parte intrínseca da definição de autismo, mas isso já era tema de nossas caudalosas trocas de e-mails. Eu observava, por exemplo, bem antes de isso ser um fato amplamente reconhecidamento, que pessoas autistas que apresentavam mais movimentos estereotipados tinham mais problemas sensoriais.

Jim sugeriu que eu segurasse em suas mãos e pés chacoalhando seu corpo, para que a vibração pudesse substituir o comportamento auto-lesivo de se esmurrar e se estapear. Esta intervenção foi sendo modificada pelas contingências das crises, ao longo dos anos, de modo que apenas a minha presença já fazia com que meu filho ficasse mais calmo, sinalizando que ele associava a minha presença à situação de ficar calmo e reassumir o controle.

Hoje, padronizei esta intervenção em um protocolo, que precisa ser variado conforme a intensidade da crise, mas de forma geral, coincide com os seguintes passos:

  1. Atrair a atenção dele para mim, através da pantomima7;
  2. Complementar o ritmo de sua melodia corporal com essa pantomima, através do espelhamento, ganhando assim proximidade e facilitando o rapport.
  3. Ocasionalmente, a depender da violência da crise, provocar uma pequena sensação de instabilidade gravitacional, para provocar uma sensação de desequilíbrio e facilitar a ativação do ramo dorsal do nervo vago;
  4. Realizar toques e pressionamentos em pontos específicos do caminho ventral do nervo vago, para estimular a produção de ocitocina e levar ao relaxamento.

Em minha experiência, este protocolo diminui o tempo da crise de 10 a 15 minutos até de 2 a 6, tempo este medido quando eu não estava presente para facilitar o processo e ele teve que lidar com a crise sozinho, ou com a ajuda disponível, de cuidadores que contratamos, que quase sempre se resume a banhá-lo no chuveiro ou na piscina (esta última estratégia eu já proibí, pelo fato de ele também ter epilepsia, e de frequentemente uma destas crises comportamentais se converter numa convulsão típica.

Pode parecer que 15 minutos é pouco tempo, mas é uma eternidade durante uma crise deste tipo. Lesões físicas auto provocadas são extremamente comuns no decorrer deste tempo, e só o fato de estar interagindo diretamente com ele já diminui sua possibilidade de ocorrência.

Dado que a abordagem clássica a este tipo de crise chega a envolver “terapia” aversiva8, o uso deste tipo de procedimento consiste numa alternativa humanizada e eficaz para diminuir o sofrimento de pessoas autistas com transtornos de processamento e integração sensorial.

Existem outras aplicações de Hipnose com pessoas autistas em outros pontos do espectro, mas este assunto será abordado em artigos posteriores.


  1. Essa história está no livro Neurotribes do jornalista Steve Silberman ↩︎
  2. Uma Matéria da Wired escrita por Steve Silberman na virada do milênio fala bastante sobre o assunto. ↩︎
  3. Para a APA, hipnose é “Um estado de consciência que envolve atenção focalizada e percepção periférica reduzida, caracterizada por uma maior capacidade de resposta à sugestão”. Esta definição foi retirada do seguinte artigo: Gary R. Elkins, Arreed F. Barabasz, James R. Council & David Spiegel (2015) Advancing Research and Practice: The Revised APA Division 30 Definition of Hypnosis, American Journal of Clinical Hypnosis, 57:4, 378-385, DOI: 10.1080/00029157.2015.1011465, acessado em 04/08/2019 ↩︎
  4. Arreed F. Barabasz & Marianne Barabasz (2015) The New APA Definition of Hypnosis: Spontaneous Hypnosis MIA, American Journal of Clinical Hypnosis, 57:4, 459-463, DOI: 10.1080/00029157.2015.1011507 acessado em 04/08/2019 ↩︎
  5. Sobre isso, vi a resposta a uma pergunta no research gate, acessada em 04/08/2019 ↩︎
  6. Grapel, J. N., Cicchetti, D. V., & Volkmar, F. R. (2015). Sensory features as diagnostic criteria for autism: sensory features in autism. The Yale journal of biology and medicine, 88(1), 69–71. acessado em 04/08/2019 ↩︎
  7. Milton H. Erickson M.D. (1964) Pantomime Techniques in Hypnosis and the Implications, American Journal of Clinical Hypnosis, 7:1, 64-70, DOI: 10.1080/00029157.1964.10402393 acessado em 04/08/2019 ↩︎
  8. As aspas aqui indicando que não considero terapêutica a apresentação planejada de nenhum estímulo aversivo ↩︎

 

Sobre ideologia de gênero


Vídeo interessante, rapaz inteligente. Tenho alguns contrapontos na cabeça aos argumentos dele, no entanto.

É importante respeitar quem somos, e não apenas viver em função de papéis pré determinados. Concordo.

Mas veja que tem um argumento essencialista bem no âmago dessa formulação, como se “quem somos” fosse algo natural, em contraposição aos papéis pré determinados que são “culturais”. Assim se entende cultura como algo imposto, artificial, por assim dizer.

No fundo é uma batalha cultural para definir o que é natural. Bem, meu ponto de vista é bem divergente aí. Nenhuma pretensão de ser hegemônico, apenas de contribuir pro debate.

Natureza e cultura não têm fronteiras entre si. Nem a natureza humana é fixa, nem a cultura é uma coisa artificial. Nenhuma das duas coisas são completamente escolhidas. Nenhuma das duas coisas é completamente artificial,
Ou completamente imposta.
Nós criamos cultura. E em criando cultura, criamos “natureza”.

Porque não conhecemos a natureza em si, apenas elaboramos modelos da natureza, conforme a nossa cultura, que é uma parte intrínseca da… natureza.

A natureza humana é sermos plásticos, e no fundo, essa é uma batalha imaginária entre “ideologias” diferentes. Botei aspas aí no ideologia, porque não estou a usar aqui o termo em sua acepção pejorativa, estou apenas salientando que a batalha pelo monopólio da natureza é uma batalha falaciosa.

Somos naturais, criamos culturas as mais restritivas de um modo bastante natural. Por isso ele está certo em dizer que a influência sobre as crianças é essencial nessa batalha.

Mas a batalha é tão imaginária quanto o conceito de gênero, seja o conceito conservador, sejam os conceitos progressistas.

Somos todos primatas, e de um tipo muito especial, o tipo que cria realidades através da consciência que temos de nossos pensamentos e emoções.

Concordo com o rapaz quando ele diz que a questão é sobre como queremos viver. Qual história contamos sobre nós mesmos nos inspira a ser inclusivos e compassivos. E qual história divide a humanidade entre natural e artificial.

Porque chamar o modo de vida de alguém, por mais estranho que nos pareça de artificial, é uma maneira de desumanizar o outro. Fazendo isso, destruímo-los conceitualmente, que geralmente é o primeiro estágio para o fazermos concretamente.

Por isso sou a favor do lema “viva e deixe viver”. E sei que ele não resolve todos os nossos problemas de convivência multicultural. Apenas me parece um bom ponto de partida.

Assim eu reformularia o “é importante ser quem nós somos” por “é importante aceitarmos nossa responsabilidade de definir quem somos”. Porque é disso que se trata: assumir nosso papel como co-criadores de nós mesmos.

E por que não apenas “criadores”, mas “co-criadores”? Porque uma parte importante de nós é “automática”, é dada. Foi “criada” para nós durante o processo evolutivo em curso.

Alexandre Costa e Silva é Psicólogo e Psicoterapeuta

Ficção e realidade

Como nossa própria percepção de nós mesmos se compara ao nosso conhecimento de um personagem de ficção

Estou fazendo um curso via Audible sobre escrita criativa, “Writing Great Fiction: Storytelling Tips and Techniques”, da série “The Great Courses: Writing”, um conjunto de palestras proferidas pelo professor James Hynes.

Em um dos capítulos, Hynes diferencia personagens ficcionais de pessoas reais, apontando o quão mais complexas estas são em comparação com aqueles, e demonstrando que a ilusão que a ficção proporciona, de estarmos dentro do pensamento dos personagens, contrasta marcantemente com o fato de — apesar de podermos empatizar e imaginar — não conhecemos os pensamentos dos outros: apenas os nossos próprios.

Logo uma ideia me ocorreu — que não é nova, nem minha, mas me fez pensar. Também nós temos acesso direto a uma parte muito pequena de nós mesmos, e boa parte de quem somos — e do que nos motiva — se nos vai revelando à medida em que vivemos e nos vemos no olhar das pessoas com quem convivemos.

Claro que somos mais complexos do que personagens, que não passam de um aglomerado de palavras bem construídas em cenas, sequências e atos num enredo. Mas será que — até por este motivo — você se conhece tão bem quanto conhece o seu personagem favorito?

Quem você é também é um aglomerado de palavras e cenas em sequência. Claro que essas cenas são mais ricas em informação, trazendo dados de todos os sentidos, impressos em nossa memória. E sabemos, desde Freud — e essa parte da psicanálise os estudos neuropsicológicos confirmam — que a nossa memória é seletiva.

Um personagem é construido através da escolha de momentos significativos que o definem e representam. Nenhum escritor põe  todo o cotidiano de um personagem num livro,  nem mesmo George R. R. Martin, que é um escritor bastante detalhista. Ele escolhe apenas aquelas cenas que são importantes para a caracterização do personagem, ou para direcionar o enredo.

Do mesmo modo, nossa memória depende do esquecimento seletivo. Só armazenamos aquilo que cabe no nexo que construímos a respeito de nós mesmos, memórias que gravitam em torno de nosso senso de self, de sermos nós mesmos. Do resto nos livramos dormindo e sonhando. 

Apesar de não haver consenso científico quanto à natureza dos sonhos, sabemos que há renovação celular, inclusive neuronal (que há alguns anos seria inadmissível cientificamente), e conteúdos se reorganizam. E esta reorganização não é aleatória: ela também gravita em torno do nosso misterioso senso de identidade, de estarmos confinados dentro da nossa pele, de vermos o universo através da nossa perspectiva. Todo esforço empático — inverter papéis com o outro — é um exercício de imaginação criativa. 

A memória, este componente central da  identidade, é dependente da  “temperatura” emocional no momento, e de “gatilhos” do  ambiente interno — sua atividade mental — e externo, os eventos da vida diária, ambos apenas parcialmente sob controle. Ambos compondo o contínuo fluxo da experiência cotidiana, a partir de quando uma pessoa acorda até a hora que dorme, e por vezes durante o sono, sonhando.

Também nós temos uma ideia tangencial de quem somos, e de quem podemos vir a ser, ou de quem poderíamos ter sido, segundo pequenas histórias encadeadas que contamos sobre nós mesmos, pensando e conversando com quem convivemos.

Ah, e tem o amor. As pessoas que amamos — e as que odiamos — são instrumentais para a construção desse enredo da nossa vida. Elas são nossas companheiras ou antagonistas — no caso aqui o amor em seu reverso — que nos permitem contar a história da nossa vida. Ela só faz sentido se pudermos contá-la de algum modo a alguém — e a nós mesmos.

Por que seu casamento não deu certo? Por que está casado há tantos anos com a mesma pessoa? Porque escolheu fazer o que faz profissionalmente? Quanto melhores as respostas para este tipo de pergunta, melhor nos conhecemos.

E como reconhecer uma resposta melhor? Simples. As melhores respostas nos põem como protagonistas das nossas próprias histórias. Atores responsáveis. Tomamos consciência de que somos mais do que o efeito, de uma cascata aleatória de circunstâncias externas a nós mesmos. 

Apenas deste ponto de vista podemos ter uma sensação de que as coisas têm sentido, de que valem a pena, como quando vemos um bom filme, ou lemos um bom livro.

Encontrar sentido para o fluxo de eventos desconexos que se dão conosco todos os dias pode ser um desafio. Quando falhamos em encontrar um nexo, falhamos também em saber qual o próximo passo, como direcionar nossa vida. Ficamos numa espécie de “bloqueio de escritor”.

Porque no livro da vida, somos ao mesmo tempo escritores e protagonistas dessa história contada em primeira pessoa por nós — e em terceira por quem amamos — ou odiamos. Estas narrativas, precisamos concatenar com as nossas, em busca de um nexo harmônico, e belo.

Por isso, quando quer que você esteja se sentindo perdido, sente-se aí mesmo onde está e conte a si mesmo, como se fosse um conto, tudo o que lhe aconteceu desde a última vez em que as coisas fizeram sentido. Talvez comecem a fazer novamente.

Outro modo de ver meu trabalho como psicoterapeuta é como a contínua tentativa de inspirar pessoas a se empenhar em encontrar esse nexo, definindo que tipo de personagem ela é, no livro que é sua vida. Ou no filme, que as pessoas estão cada vez mais sem paciência para ler.

Somos personagens parcialmente criados por nós mesmos, mas não necessariamente. É possível viver uma vida inteira “dormindo” como um zumbi, uma vítima, um resultado. Tomar responsabilidade sobre si é parte inseparável da condição de co-criador do livro da própria vida.

Toda Psicoterapia Bem sucedida é um encontro com Deus

Se você é cético, ou ateu (estas palavras têm sido usadas como sinônimos ultimamente), não pare tão cedo de ler este artigo. Ele não exclui você, seja como paciente, seja como psicoterapeuta.

Há mais de cem anos, quando Freud começou a escrever sobre sexualidade, o tema era tabu entre o meio acadêmico e científico. Hoje os terapeutas — e a sociedade leiga em geral — tratam do tema com naturalidade. Mas cada época tem seus tabus. Curiosamente, para um deísta como eu, o tabu acadêmico da nossa época é a espiritualidade, ou religiosidade, sejam quais forem as formas que assumem nas várias culturas humanas.

A maioria dos psicoterapeutas evita o tema, temeroso seja da ridicularização de seus pares, seja das implicações para a saúde mental de seus pacientes. Este medo, permitam-me dizer, graças a Deus, está diminuindo. Este ano, o Congresso Brasileiro de Psiquiatria tratou do tema extensamente, atraindo um público de cerca de 800 pessoas, num auditório que excedeu sua capacidade máxima.

A estrela principal deste ramo do evento foi Kenneth Pargament, um Judeu americano que tem idéias extraordinárias sobre a integração da espiritualidade na prática terapêutica.

Seu livro Spiritually Integrated Psychotherapy: Understanding and Addressing the Sacred [link afiliado], cuja versão eletrônica adquiri antes mesmo do final da palestra, trata do tema de uma maneira universalista, cosmopolita e inclusiva.

Não, ele não tenta provar a existência de Deus, ou da vida após a morte. Sua abordagem é mais pragmática do que isso. O que ele diz é que todo ser humano, seja ele deísta ou não, tem alguma atividade que faz o seu coração cantar. E que é de lá que — para os deístas — brota a experiência do Sagrado.

Jacob Levy Moreno, outro judeu, o criador da psicoterapia de grupo e do Psicodrama, dizia algo semelhante em meados do século passado. Ele referia-se ao encontro, uma “experiência de pico”, como a chamam os psicólogos existencialistas cristãos do século passado, na esteira de Abraham Maslow, mais conhecido por sua formulação da hierarquia das necessidades humanas.

Moreno afirmava que uma pessoa só encontra a si mesma e à sua vocação essencial quando consegue “jogar o papel de Deus”. Eu faço coro com ele e com Pargament, quando afirmam que Deus é mais do que um conceito inventado pelo homem para aliviar as dores da consciência da mortalidade. Algo que supostamente — pois até agora não houve comunicação fluente com nenhum animal para sabermos se eles a possuem — é distintamente humano.

Sou um muçulmano esotérico. Um dervixe, se quiser. Os nomes não importam. Para mim, Deus é mais do que um conceito, ou vários, se levarmos em conta a quantidade de atributos que a Ele impingem as várias culturas, em todos os continentes onde a humanidade marcou presença. Para mim Deus é simplesmente incognoscível. Ele não pode ser pensado. Ele não pode ser descrito, senão por aproximação, por analogia. Por isso todos os livros sagrados do mundo contam histórias, e recitam poemas.

Não acredito em Deus. Eu o experimento em mim e em minha interface com os meus, com pacientes, amigos, com a mulher da minha vida. Deus está em tudo e para além de tudo, o paradoxo no centro do qual tento desenhar o meu futuro, e o futuro das vidas que toco com a minha.

Sendo assim, uma das primeiras perguntas que faço a qualquer paciente tende a ser: “você tem religião?”. Isso vai pautar meu diálogo com o paciente daí por diante. Minha abordagem é muito semelhante à que vi em Pargament, e que aprendi com Moreno e os Mestres do Silsilah da Tradição Sufi. “Fale às pessoas de acordo com seu entendimento”, é o conselho do Profeta Muhammad.

Cada ser humano é um livro sendo escrito, mas nem sempre por ele mesmo. E mesmo não sendo ele o escritor, ele é o protagonista, de sua própria perspectiva. A psicoterapia é um esforço na direção de empoderá-lo como escritor. Ele me conta o que foi escrito do livro até agora, e eu o ajudo a desenhar futuros possíveis, com as tintas do presente, para onde o passado lhe trouxe.

Assim, meu papel como terapeuta é facilitar o diálogo do paciente com Deus,não a partir da minha experiência de Deus, mas da do paciente.

“Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face.
E quando estiveres perto, arrancar-te-ei os olhos e colocá-los-ei no lugar dos meus;
E arrancarei meus olhos para colocá-los no lugar dos teus;
Então ver-te-ei com os teus olhos
E tu ver-me-às com os meus.”

Jacob Levy Moreno, “Divisa

Ver o paciente com seus próprios olhos é o passo mais difícil no caminho de aprendizagem de um terapeuta. Vê-lo da maneira que ele se vê e, ao mesmo tempo, enquanto se vai acumulando familiaridade com suas histórias, ir introduzindo uma generosidade neste viés, um senso de redenção, de que ele pode ser melhor, de que ele pode dançar seguindo a música que seu coração toca.

A vida é essa dança, este kabuki, este teatro espontâneo em que escrevemos o roteiro em conjunto com o imponderável. E este imponderável é que eu chamo de Deus. Você, caro leitor, pode chamá-lo do que quiser.

A Bíblia Cristã tem um detalhe primoroso, logo no início, que sugere essa universalidade do sagrado. Diz o Gênesis:

“24 E disse Deus: Produza a terra alma vivente conforme a sua espécie; gado, e répteis e feras da terra conforme a sua espécie; e assim foi.

25 E fez Deus as feras da terra conforme a sua espécie, e o gado conforme a sua espécie, e todo o réptil da terra conforme a sua espécie; e viu Deus que era bom.

26 E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra.”

(O grifo é meu)

Deus usa o singular em cada momento da criação, mas quando vai criar o homem, diz: Façamos o homem. Façamo-lo quem, senão Deus mesmo, o insondável, o incognoscível, o imponderável, junto com aquela pequena criatura de barro, uma vez que estava só enquanto a moldava? Este trecho é um convite. Ele diz o equivalente a “façamos a ti juntos, eu e tu”. E à Sua semelhança, não significa que Deus tem forma humana. Significa que ele outorga a nós, essas pequenas criaturas cheias de vícios mundanos, pequenas e grandes distorções na maneira como nos vemos e ao mundo, sua faculdade criativa.

Criamos a nós mesmos, junto com Deus, este é o convite e o desafio. No Alcorão, Deus oferece a liberdade aos céus, à terra e às montanhas, que a recusaram, enquanto o ser humano se encarregou de aceitar-lhe o fardo.

“Por certo que apresentamos a custódia aos céus (1297) terra e às montanhas, que se negaram e temeram recebê-la; porém, o homem se encarregou disso(…)”

O Nobre Alcorão, sura Al Ahzab (Os Partidos), versículo 74.

É essa liberdade, o objetivo de toda psicoterapia. A liberdade de ser co-criador do próprio destino, de escrever, junto com o imponderável, o livro da sua própria vida.

Este tema é universal, não é específico de uma religião ou outra. A liberdade traz embutida em si o fardo da responsabilidade, ou “custódia” como diz a tradução do Alcorão acima.

Deste modo, toda psicoterapia bem sucedida, produz um ser humano mais livre, creia ele ou não num Ser Supremo, seja ele criacionista ou evolucionista, ateu ou deísta. Ela o ajuda a ser uma pessoa capaz de fazer escolhas, e arcar com as consequências.

A experiência do Sagrado não é privilégio dos deístas. Ela é uma dádiva divina, e uma conquista humana, simultaneamente. O que faz o seu coração cantar? Que atividade faz seus olhos brilharem, faz você se sentir alegre como uma criança, ou como um dervixe bem sucedido?

Este serviço essencial, esta atividade, é aquela que te faz ficar absorto, horas a fio, se for preciso, e ela te liberta. É na descoberta e no exercício dessa liberdade que reside uma psicoterapia bem sucedida. E é a partir desta morada interior dentro da sua pele, em algum lugar do seu cérebro, neste jardim secreto no qual toca a música do seu coração que mora a sua conexão com Deus. Ou consigo mesmo, se você quiser.

Aquilo que se faz com alegria e amor é sagrado, não importa quão irrelevante, ou profano pareça ser, não importa o quão distante da sua idéia de espiritualidade possa estar.

A verdadeira espiritualidade resume-se a você ser cada vez mais quem é, escrevendo seu futuro com as tintas da experiência. Cada um de nós pode ser pleno ao realizar a tarefa que ao profeta Muhammad fez o anjo Gabriel:

“Recita em nome de Deus que te criou, que criou o homem de um coágulo, e ensinou-lhe com a pena o que ele não sabia”.

Uma psicoterapia bem sucedida põe a pena nas mãos do paciente, e o ensina a desenhar o seu futuro ao som da música que toca no jardim secreto de seu ser essencial. E deste modo, uma pessoa encontra Deus, que está pouco se lixando se você acredita ou não nele…

Originalmente escrito por Alexandre Costa e Silva

Florianópolis, sábado, 07 de novembro de 2015, 02:37am

Feliz dia das crianças

— Você é mau — dizia o pequeno Cláudio, de cinco anos de idade, preso à cama onde aguardava a morte.
— Por quê? — eu perguntava.
— Porque você vai embora.

A sessão tinha sido divertida, e estava quase terminando. Claudinho era uma das crianças internadas na ala de oncologia do Hospital Albert Sabin de Fortaleza. Ele tinha um tipo raro de tumor cerebral, com um nome que soava tão terrível quanto era: um astrocitoma de tronco cerebral. Eu era um dos psicólogos encarregados do caso.

Quando o médico disse isso — nestes termos — para Gláucia, a mãe, ela precisou de alguma mediação da minha parte para entender que um astrocitoma era um tumor, e que o fato de ele estar localizado no tronco cerebral — a parte do cérebro que controla a respiração, a deglutição e outras atividades vegetetativas — significava que seu pequeno não respiraria por muito tempo.

Assim que pôde entender — nunca esqueci a beleza daquele momento — Gláucia se ergueu subitamente da cadeira e disse: — está na hora de dar a comida do Cláudio — e retirou-se da sala.

Não houve desespero, não houve gritos. Apenas um silencioso e desprendido comprometimento com a vida que restava a seu filho.

E durante os meses seguintes, que foram poucos, ela era toda sorrisos, pelo menos dentro do campo de visão do pequeno. Uma vez, no entanto, ao virar-se em minha direção, após dizer-lhe um gracejo do qual até eu havia rido, sua face derreteu-se numa tristeza que parecia estar lá o tempo todo, e sem que eu tivesse percebido, apenas suavemente oculta, como um gato atrás de uma cortina.

Em uma de minhas conversas com a psicóloga do setor de oncologia do hospital, perguntei-lhe para onde aquela tristeza iria, o que, em sua experiência, as pessoas faziam com aquela dor tão imensa.

Sua resposta me surpreendeu. — às vezes nada, Alexandre — ela me disse. Às vezes as pessoas apenas seguem adiante. E foi o que houve com Gláucia. Ela enterrou o filho com um choro digno. Seguiu com a vida. Tem outro filho, hoje adolescente. Encontrou o amor.

Algumas lágrimas devem molhar-lhe o rosto, quando a memória de Cláudio toca-lhe as paisagens da mente. Mas deve ser aquele tom melancólico sem o qual uma pintura é apenas um esboço, uma oração apenas uma ladainha repetitiva, e uma dança, apenas um exercício cansativo.

É, Claudinho, eu sou mau. Vou embora, como tu foste. Deus me dê algo da força que a tua mãe teve para continuar caminhando quando se forem os meus, e quando chegar o meu dia.

A dor de meus últimos dias me lembrou Claudinho e sua dor, sua solidão, sua impossibilidade de brincar com os outros garotos de cinco anos.

Que seja para sempre a hora do recreio em tua escola agora, menininho. Feliz dia das crianças.

Alexandre Costa e Silva
11/10/2015

Uma ponte entre a minha coluna cervical e a minha alma…

radiografia da minha coluna cervical
radiografia da minha coluna cervical

Hoje foi um dia em que experimentei muita dor. Minha coluna cervical não tem a lordose fisiológica comum à maioria das anatomias. Me ocorreu que minha vaidade joga um papel nessa condição. Já explico.

Sou um homem que aprecia andar de cabeça erguida. Pratico meditação, de coluna ereta. Me identifico com a imagem de um buscador da Verdade. E não é a verdade do estar certo, essa da intransigência. Não é a verdade que alguém possa deter nos domínios volúveis da linguagem.

Busco a verdade não dita, aquela que te pega de cheio. Aquela que me achou com uma prensa no nervo do meu braço, e me deixou as duas últimas semanas sofrendo e me irritando com os que amo. Sim, porque estes sabem que os amo de volta, e não me vão expulsar de casa por isso.

Neste momento estou no quarto Tylex, combinado com um Valium 10, para poder pensar sobre o assunto. Não estou com sono. Por algum remoinho cognitivo convoluto, disparado pela dor mesclada com os eventos do dia, terminei relembrando dos velhos tempos do psicodrama. Vê se tem alguma coisa a ver.

O Psicodrama foi criado por um judeu muito louco, com influência do judaísmo mais pirado, o hassidismo de Baal Shem Tov, o “Eu e Tu” de Martin Buber. E eu sou muçulmano. E esse cara moldou minha alma como poucos. Olha o que ele diz de Deus.

Divisa

 

Mais importante do que a ciência é o seu resultado,
Uma resposta provoca uma centena de perguntas.
Mais importante do que a poesia é o seu resultado,
Um poema invoca uma centena de atos heróicos.
Mais importante do que o reconhecimento é o seu resultado,
O resultado é dor e culpa.
Mais importante do que a procriação é a criança.
Mais importante do que a evolução da criação é a evolução do criador.
Em lugar de passos imperativos, o imperador.
Em lugar de passos criativos, o criador.
Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face.
E quando estiveres perto, arrancar-te-ei os olhos e colocá-los-ei no lugar dos meus;
E arrancarei meus olhos para colocá-los no lugar dos teus;
Então ver-te-ei com os teus olhos
E tu ver-me-às com os meus.
Assim, até a coisa comum serve o silêncio
E nosso encontro permanece a meta sem cadeias:
O Lugar indeterminado, em um momento indefinido,
A palavra ilimitada, para o Homem não cerceado.

— Jacob Levy Moreno

Foi a isso que me conduziu a dor: reiminiscências de encontros com pessoas cujos olhos arranquei. E que nunca devolvi, e que me permitem ser o homem que sou, e o terapeuta que sou. A dor me conduziu a mim, e aos meus. Os do passado, e os do presente.

Perdão por terem que aturar minha irritação. Obrigado por estarem aí. Quem eu seria sem vocês está em algum decadente universo paralelo sendo desintegrado lentamente numa crise nas infinitas terras que não vivi, porque foi este aqui quem sobrou. Este que tenta transformar qualquer dor — mesmo a física — em beleza.

Mesmo que tenha que se entupir de drogas (prescritas pelo ortopedista, claro), para conseguir fazê-lo.

Estou lendo: “Spark: The Revolutionary New Science of Exercise and the Brain”

Você é um intelectual. Quer seja idealista ou realista, deriva seu senso de auto-valorização do poder do seu intelecto, da sua capacidade de definir, ou mesmo de descrever as coisas.
Ou então você é um “knowledge worker” da era da informação, o cara que cria padrões de design, ou de funcionalidade para produtos e serviços da sua empresa.
Saindo da sua própria era da indestrutibilidade imaginada, dos vinte aos trinta, você se percebe subitamente com a) um câncer. b) um transtorno mental como depressão, ou pânico, ou agorafobia, ou outro transtorno de ansiedade.
O médico recomenda repouso, ou, dependendo do caso, preparar-se e despedir-se. Na maioria das vezes, algum medicamento. No caso de um colapso nervoso, certamente uma droga psicoativa. Está trabalhando demais, certo? Precisa diminuir as atividades, certo?
Segundo o Dr. Jonh J. Ratey, psiquiatra e professor de psiquiatria da Harvard Medical School, não necessariamente, ou pelo menos, não apenas.
Você pode estar precisando de *exercício*.
“O quê? mais atividade?” poderia dizer.
Citando estudos que desde a década de 1990 têm demonstrado a correlação clínica de exercícios moderados e regulares com o bem estar físico e psíquico, o Dr. Ratey expõe sua tese de que os exercícios físicos podem desde diminuir, até eliminar a necessidade de consumo de drogas psicoativas.
Segundo ele, exercitar-se equivale a equipar o corpo com uma máquina de endorfinas, neurotransmissores e outras substâncias que têm potencial para reequilibrar os desequilíbrios químicos causados pela falta de estresse.
O exercício, afirma ele, funciona como um inoculador de estresse no sistema, que “vacinaria” o organismo contra os desafios ambientais, e não apenas os desafios físicos.
Cita inclusive o caso de um psiquiatra que conseguiu curar-se do câncer através de suas maratonas.
Claro que ele não diz que caminhar cura o câncer, mas, em todo caso, nessa ocasião específica, em que pesem outros fatores que não foram mapeados, o sujeito ficou completamente curado.
Um bálsamo para sujeitos que trabalham com a cabeça e torcem o nariz para os “ratos de academia”: O livro proporciona uma série de motivos bastante convincentes para não termos que escolher entre ter “um abdome sarado” e um cérebro ativo.
Muito bacana. Recomendo.
Estou “lendo” a versão em audiobook, comprada na audible. Existe também uma versão para Kindle, mas acredito que ainda não exista uma versão em português. Eu, pelo menos, não conheço. Caso haja, e você saiba, comenta aí embaixo…